25 maio 2008
Pragas, Maldições e Outras Costumeiras ...
PRAGAS, MALDIÇÕES
E OUTRAS COSTUMEIRAS DEVOCIONAIS
E OUTRAS COSTUMEIRAS DEVOCIONAIS
José Gomes Quadrado
INTRODUÇÃO
Depois da socialização primária desenvolvida no seio da família e no contacto social com gente dum meio rural como as Mós, e pouco tempo antes de atingir a adolescência, fui submetido a um processo de aculturação, porque passei a residir na cidade do Porto. Durante este processo, na diversidade de usos e costumes, o que muito estranhei foram as diferenças na credulidade supersticiosa, integrando ou não as linguagens vulgarmente utilizadas, sobretudo na aplicação de expressões emotivas, de irritação e de revolta, mais ou menos obscenas. O linguajar portuense raramente incluía, explicitamente, as pragas e maldições; eram mais utilizados termos espúrios ou de referenciação obscena-sexual, que nas Mós só os ouvira a certos homens ou ao rapazio. Naquele meio urbano conheci, também, objectos e diferentes fraseados indiciadores de outras (mas igualmente antigas) costumeiras devocionais. Na religiosidade popular do Porto, o sincretismo animista das crenças estavam mais relacionadas com bruxas, lobisomens, mau olhado…
A estas me referirei comparando-as com as que conheci em ambientes rurais, mas vou ocupar-me primeiramente com as diferentes formas de amaldiçoar, de abençoar e de praguejar que memorizei nos tempos em que vivi e/ou estanciei nas Mós, em Mogadouro e em Lagoaça. Foram muito poucas as que encontrei confirmadas nos livros, já que, tirante os exemplos deixados pelo erudito José Leite de Vasconcelos, o que li sobre pragas e maldições eram exemplos quase todos referentes a costumeiras do Alentejo, do Algarve e outros a práticas e imprecações utilizadas por minorias étnicas ou religiosas, nomeadamente, ciganos e “cristãos novos”. Já o mesmo não acontece em relação a outras tradicionais superstições populares portuguesas.
Na bibliografia consultada retirei, sobretudo, alguns elementos necessários aos enquadramentos histórico e teórico.
A estas me referirei comparando-as com as que conheci em ambientes rurais, mas vou ocupar-me primeiramente com as diferentes formas de amaldiçoar, de abençoar e de praguejar que memorizei nos tempos em que vivi e/ou estanciei nas Mós, em Mogadouro e em Lagoaça. Foram muito poucas as que encontrei confirmadas nos livros, já que, tirante os exemplos deixados pelo erudito José Leite de Vasconcelos, o que li sobre pragas e maldições eram exemplos quase todos referentes a costumeiras do Alentejo, do Algarve e outros a práticas e imprecações utilizadas por minorias étnicas ou religiosas, nomeadamente, ciganos e “cristãos novos”. Já o mesmo não acontece em relação a outras tradicionais superstições populares portuguesas.
Na bibliografia consultada retirei, sobretudo, alguns elementos necessários aos enquadramentos histórico e teórico.
A GENEALOGIA DE ALGUMAS SUPERSTIÇÕES
As pragas, as maldições e todas as fórmulas de imprecação integram um quadro de superstições que remontam aos tempos mais remotos. Durante milénios, o Homem manteve um conjunto de crenças inseridas num sentimento religioso fundamentado num terror indescritível dos astros e dos elementos da Natureza. Nestes tempos povoados de mitos, ele manteve uma concepção animística, sustentada pela crença de que tudo estava possuído por espíritos; todos os fenómenos naturais eram tidos por animados: o céu, os astros (mormente o Sol e a Lua), a Terra, os ventos, os animais e mesmo o próprio ser humano podia ser habitado por vários espíritos. Devido ao referido terror, “bem cedo” sentiu a necessidade da protecção de variados deuses ou de um ente supremo que o livrasse dos perigos e das ameaças a que se julgava sujeito.
Mesmo depois do fim do paganismo na Península Ibérica, foram muitos e significativos os vestígios de cultos e superstições da Antiguidade seguidos na Idade Média. Apesar da reconversão a que foram sendo sujeitos por parte da Igreja, os resíduos do paganismo, as reminiscências ou mesmo a sobrevivência de algumas das crenças confusas daqueles tempos foram sendo conservadas ao longo de séculos, chegando algumas delas até aos nossos dias, pois tanto no mundo rural como no urbano, encontramos indícios duma concepção mágica e arcaica da vida e do Mundo. A persistência do uso das pragas e maldições, por exemplo, comprovam, de algum modo, a sobrevivência desta concepção.
Em documentos datados do tempo da ocupação romana não raro deparamos com “exsecratio” (imprecação ou maldição), para reforçar a validade dos juramentos. Depois do fim do domínio romano e com o progressivo predomínio do catolicismo, a Igreja foi decalcando sobre práticas religiosas e míticas coevas, e assim se foram conjugando dois princípios, o católico e o pagão, sobretudo a partir de meados do século VII, (depois dos visigodos terem conquistado toda a Península) passou a vigorar uma concepção que implicava o dualismo Deus/Diabo, Céu/Inferno, Salvação/Condenação. O que não podia ser atribuído a Deus era-o ao Demónio ou aos seus sequazes terrenos.
Dentro deste sistema as muito temidas “maldiçoens” passaram a ser utilizadas por nobres e clérigos não só para reforçar e validar juramentos, mas também como instrumento considerado indispensável para imporem o seu poder e a sua vontade mesmo depois da morte. Prova disto mesmo está no facto delas aparecerem inseridas em quase todas as escrituras, testamentos, doações e, inclusivamente, nos emprasamentos de frades. Neles constavam as mais execrandas e temíveis imprecações, ameaçando os transgressores de qualquer cláusula com interjeições como Abaritan (1), que equivalia à seguinte imprecação:”Sepultado sejas tu vivo nos infernos como foram Core, Datan e Abiron”.
Quando visitei o castelo de Lorvão, soube que no respectivo cartório existiu uma doação feita ao respectivo mosteiro, datada de 1086, escrita em latim, que explicitamente dizia (traduzido para português moderno): - o que for contra esta doação seja excomungado por Deus Padre, por Jesus Cristo, pelos anjos e apóstolos – “ut, et de hoc Seculo, sicut Datan, et Abiron”…
Na doação de D. Teresa ao Bispo do Porto (D. Hugo), feita em 18 de Abril de 1120, constava:
“E se algum dos meus parentes, ou estranhos, tentar romper, tirar ou quebrantar este instrumento e carta de doação, ou couto, primeiramente incorra na ira de Deus, e seja apartado e alheado do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo – e, não se emendando, tenha no inferno o mesmo logar que tem o traidor Judas Iscariotes”(2).
Terríficas são também as seguintes imprecações: “E quem quebrar este foral e não der a emmenda”…”seja maldito e excommungado e atormentado sem fim no inferno, com Judas Scharioth e com o próprio demónio; e vossos filhos e netos ardam nas próprias chamas, se contradisserem este contrato.”
Tal como se amaldiçoava quem ignorasse as prescrições, assim se abençoava quem as cumpria. Tome-se como exemplo o que ficou exarado no foral de Lisboa, de 1179:
“Quem cumprir uma disposição seja abençoado de Deus, quem não cumprir seja amaldiçoado”(3).
Acreditava-se, portanto, que bastava um simples acto de vontade para que os votos malignos ou benignos tivessem efeito mesmo depois da vida terrena, no Além.
Mesmo depois do fim do paganismo na Península Ibérica, foram muitos e significativos os vestígios de cultos e superstições da Antiguidade seguidos na Idade Média. Apesar da reconversão a que foram sendo sujeitos por parte da Igreja, os resíduos do paganismo, as reminiscências ou mesmo a sobrevivência de algumas das crenças confusas daqueles tempos foram sendo conservadas ao longo de séculos, chegando algumas delas até aos nossos dias, pois tanto no mundo rural como no urbano, encontramos indícios duma concepção mágica e arcaica da vida e do Mundo. A persistência do uso das pragas e maldições, por exemplo, comprovam, de algum modo, a sobrevivência desta concepção.
Em documentos datados do tempo da ocupação romana não raro deparamos com “exsecratio” (imprecação ou maldição), para reforçar a validade dos juramentos. Depois do fim do domínio romano e com o progressivo predomínio do catolicismo, a Igreja foi decalcando sobre práticas religiosas e míticas coevas, e assim se foram conjugando dois princípios, o católico e o pagão, sobretudo a partir de meados do século VII, (depois dos visigodos terem conquistado toda a Península) passou a vigorar uma concepção que implicava o dualismo Deus/Diabo, Céu/Inferno, Salvação/Condenação. O que não podia ser atribuído a Deus era-o ao Demónio ou aos seus sequazes terrenos.
Dentro deste sistema as muito temidas “maldiçoens” passaram a ser utilizadas por nobres e clérigos não só para reforçar e validar juramentos, mas também como instrumento considerado indispensável para imporem o seu poder e a sua vontade mesmo depois da morte. Prova disto mesmo está no facto delas aparecerem inseridas em quase todas as escrituras, testamentos, doações e, inclusivamente, nos emprasamentos de frades. Neles constavam as mais execrandas e temíveis imprecações, ameaçando os transgressores de qualquer cláusula com interjeições como Abaritan (1), que equivalia à seguinte imprecação:”Sepultado sejas tu vivo nos infernos como foram Core, Datan e Abiron”.
Quando visitei o castelo de Lorvão, soube que no respectivo cartório existiu uma doação feita ao respectivo mosteiro, datada de 1086, escrita em latim, que explicitamente dizia (traduzido para português moderno): - o que for contra esta doação seja excomungado por Deus Padre, por Jesus Cristo, pelos anjos e apóstolos – “ut, et de hoc Seculo, sicut Datan, et Abiron”…
Na doação de D. Teresa ao Bispo do Porto (D. Hugo), feita em 18 de Abril de 1120, constava:
“E se algum dos meus parentes, ou estranhos, tentar romper, tirar ou quebrantar este instrumento e carta de doação, ou couto, primeiramente incorra na ira de Deus, e seja apartado e alheado do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo – e, não se emendando, tenha no inferno o mesmo logar que tem o traidor Judas Iscariotes”(2).
Terríficas são também as seguintes imprecações: “E quem quebrar este foral e não der a emmenda”…”seja maldito e excommungado e atormentado sem fim no inferno, com Judas Scharioth e com o próprio demónio; e vossos filhos e netos ardam nas próprias chamas, se contradisserem este contrato.”
Tal como se amaldiçoava quem ignorasse as prescrições, assim se abençoava quem as cumpria. Tome-se como exemplo o que ficou exarado no foral de Lisboa, de 1179:
“Quem cumprir uma disposição seja abençoado de Deus, quem não cumprir seja amaldiçoado”(3).
Acreditava-se, portanto, que bastava um simples acto de vontade para que os votos malignos ou benignos tivessem efeito mesmo depois da vida terrena, no Além.
IMPRECAÇÕES, EXECRAÇÕES E MALDIÇÕES
Talvez se imponha explicitar o significado destes três vocábulos. (...)
Ver texto integral em PDF »»»»»» [AQUI]
Comments:
<< Home
É gratificante sabermos que há gente das Mós a deixar para os vindoiros toda esta riqueza documental...
Bem hajam por isso
Bem hajam por isso
Urge, envolver todas as entidades que possam de algum modo colaborar num projecto de compilação de todos os textos escritos por este vulto da cultura Mossense, tais como: junta de Freguesia, Câmara Municipal, ACR "AS MÓS" e outras, para que este legado seja preservado e divulgado, além do enriquecimento do património cultural da freguesia que poderá proporcionar.
Enviar um comentário
<< Home