26 outubro 2007

Toponímia das Mós

Crónica das Mós

TOPONÍMIA DAS MÓS

Quase sempre a palavra Toponímia aparece a encimar uma lista de nomes geográficos relativos a uma determinada área geográfica. Mas aqui ela aparece a anunciar a intenção de contribuir para o esclarecimento da origem ou significado etimológico de alguns dos sítios da povoação das Mós e do seu termo, tentando “ler” o que cada palavra nos revela e, em certos casos, procurar encontrar explicação para os fenómenos relacionados com alguns dos nomes mais singulares, fundamentado na investigação de especialistas, distinguindo esta fundamentação da mera divagação toponímica. Em muitos casos, o sentido primitivo dum topónimo aparece-nos sob a forma de um substantivo ou nome comum, que pode ou não ter um carácter descritivo. Outras vezes, é um nome próprio, geralmente o nome de alguém que num tempo mais ou menos remoto foi dono duma propriedade existente nesse sítio. Neste singelo ensaio poderemos verificar que na nomenclatura geográfica das Mós avultam os nomes relacionados com os rosários de montes e vales que envolvem a povoação e encaixam outros sítios do seu termo. E cada uma destas designações mais não é do que a definição do respectivo fenómeno geomorfológico, pertencendo a respectiva terminologia à Geomorfologia ou Geografia Física.
Tratando-se aqui da Toponímia das Mós, terá inteiro cabimento começar por referir (mais uma vez) este topónimo. Quem se deu ao trabalho de ler outros meus escritos, nomeadamente o que veio publicado na Revista “COAVISÃO“ N.º 5, sabe que eu defendo a ideia de que o nome desta povoação terá origem no facto de em tempos antigos aqui terem prevalecido as mós manuais, ou “móos de braço”, como antigamente de dizia. Mas volto à carga para começar por dizer que não conheço topónimo que tantas vezes tenha “mudado” de grafia. Efectivamente, depois da fórmula medieval As Moos, tem sido designada de maneiras tão díspares, como: Asmos, As Mós, As Moz, Moz, Mós e, ainda, Mós do Douro.
No “Bosquejo Histórico das Mós” exprimi a opinião que me parece mais consensual, escrevendo: “Mós, ou As Mós como também é conhecida”, rejeitando o seguidismo de lhe chamar Mós do Douro.
Embora sendo um indefectível dourófilo, sempre considerei extravagante acrescentar-lhe este potamónimo, assim classificado por ser um nome geográfico cujo étimo mais remoto designava, apenas, o Rio. Tem a sua origem num vocabulário pré-romano, já que enraíza no radical céltico DW ou "DWR", «água» (ou água corrente) documentável no irlandês "dur" (1). Os autores gregos da Antiguidade chamaram-lhe Dorios e na língua latina passou a ser Durius. Em suma: o étimo remoto está naquele radical céltico e o étimo próximo no latim Dorius (variante de Durius). Como demonstra o nome que tomou com o aparecimento da língua portuguesa: Doyro e (mais tarde) Doiro ou Douro.
Também o nosso topónimo Penafria apresenta o elemento toponímico celta Pen que está na raiz do latim Pinna e aportuguesado deu Pena, significando penha, penhasco, penedo, pedra, cabeço, etc.. (No galês actual, pen significa cabeça), Temos então no nosso topónimo Penafria um nome celtico-latino: Pen e o latim frígida. Penafria significará, à letra: penha (fraga) fria.
O nosso conhecido Moninho que é considerado, pela generalidade dos autores, como tendo a origem no antropónimo (nome de pessoa) germânico (suevo ou visigótico) Munnius, Mas o etimologista, J. Pedro Machado, escreveu: " Também há a hipótese de se dever a nome ibérico de pessoa Munus, Muna. "(1).
Com proveniência em étimos latinos temos nomes como Freixo e Freixieiros. Segundo o que apurou José Leite de Vasconcelos, em " Textos Arcaicos" (pág. 203), aquele apresenta a seguinte série fonética:" fráxinu-(=frácsinu) > Fréiseno> > Fréixeno = Fréixeo > Freixeo > Freixo. E Freixieiros < man =" homem">
Chousas (ou Choisas) do nosso topónimo Vale das Chousas ou Vale das Choisas (como diz a gente das Mós) vem do latim Claudo e empregava-se para designar terras que serviam para pastagens de gado, aparecendo também como sinónimo de corte, curral, redil, etc., onde o gado pernoitava. Viterbo, no Elucidário (pág. 99) apresenta Chousa como sinónimo de tapada.
Também do latim palumba (pomba brava) provém o prefixo pomb que com o sufixo eira deu o topónimo Pombeira. E Pombal, com o sufixo al, depois de ter passado por Palumbar (como ainda hoje se diz em mirandês). Este topónimo dever-se-á, certamente, ao característico pombal circular que, até ao início dos anos 40 do século o XX, existiu no princípio da empinada e longa encosta que se estende até ao Ninho do Corvo. E quanto à origem do nome Monte da Pombeira, será que se deve a alguma numerosa colónia de pombas bravas que por lá existiu?
Também do nome duma ave deriva o topónimo Vale Minhoto, que vem de minhoto (milhafre) ave de rapina.
Vale Manfonso e Vale Mampaz, são dois topónimos com elementos de origem germânica (sueva ou visigótica). No primeiro, Vale Man-Fonso, temos: Vale (vulgaríssimo na nossa toponímia) está filiado no latim Valle; Man no gótico Manna, homem, (tal como em Mangualde) e Fonso, grafia medieval de Afonso, nome também de origem germânica. Portanto, Vale Manfonso significaria (à letra): Vale do Homem Afonso. O erudito Dr. Pedro Augusto Ferreira (Abade de Miragaia) também nos fala do elemento man, incorporado na composição do gentílico normando: nort + man = homem do norte.
No segundo topónimo a única diferença está no sufixo paz, do latim pace.
Se me é permitido divagar um pouco, diria que Mampaz faz lembrar Mampastor que no português antigo significava juiz, responsável pela justiça, sendo levado a pensar que Mampaz poderia significar homem ou juiz de paz. E continuando a divagar, será lícito imaginar que tanto este como aquele Afonso seriam os principais proprietários em cada um dos vales. "Se non é vero é bene trovato"...
Depois da influenciação sueva e visigótica, entre os séculos V e VII, veio a influência árabe, como consequência do domínio muçulmano. Nas Mós temos uma rua chamada da Atafona, dada a existência de um moinho de moer sumagre. Aquele nome provém do vocábulo árabe tahona. De origem árabe é, também, o nosso topónimo Cadima que provém de qadimu, cadîma. Antigamente chamava-se cadima ao que era público: caminhos, estradas e cadimas às terras agora designadas maninhas.
Um étimo árabe muito curioso para nós é Jabolon (monte), donde provém o nosso Janvão e donde deriva também o nome comum jabali, que deu na língua portuguesa javali, animal antigamente mais conhecido nas Mós pelo nome de porco-montês.
Mas a maioria dos nomes geográficos das Mós foram sendo formados com os recursos da nossa própria língua, descrevendo, sobretudo, acidentes geográficos, quase sempre relacionados, como ficou dito, com os rosários de montes que encaixam a povoação e, duma maneira geral, todo o seu termo: montes, vales, portelas, etc. Designações que ocupando grande parte da nomenclatura toponímica das Mós, derivam, algumas delas, de antiquíssimos arcaísmos. Lembro aqui do topónimo Selada que vem do arcaísmo Sellada. Olhando atentamente a cordilheira de montes que termina no Alto da Selada verificamos que a respectiva lombada, muito empinada, chega àquele ponto e quebra, formando um escalão. Este sítio mais baixo do monte é atravessado pelo caminho estreito e ziguezagueante, por onde se passa de um para o outro lado do monte. E porque se apresenta como uma depressão oblongada, faz lembrar a curvatura duma gigantesca sela. E desta parecença derivará o topónimo.
Para além da correnteza de montes que incorpora o Alto da Selada outros montes há que, encaixando a povoação, estão seperados por vales. E quando estes se apresentam como sítios de passagem (mais ou menos estreita) entre dois montes, são designados portelas, sendo a mais conhecida a Portela, situada entre os montes de Santa Bárbara e da Pombeira. Sobranceira ao Vale de Trigo, foi em tempos (não muito distantes) ponto de passagem indispensável para quem se dirigia para a Estação de Freixo, para o Rio Douro e para outros destinos.
Mas além desta, na Toponímia das Mós existem mais de uma dúzia de topónimos que integram o elemento Portela que, em alguns casos, não representa mais do que um desfiladeiro. Portela tem o Lameirão que, etimologicamente, quer dizer grande lameiro. Nunca por lá vi nenhum lamaçal, mas sim frondosos olivais, amendoais, hortas e alguns pastos para o gado, durante uma parte do ano. Riqueza económica, botânica e ambiental que a acção negligente ou mesmo criminosa de alguns acabou por destruir.
Já vimos que Penafria deriva de penha ou penedo; da fenda duma fraga donde brote água, deriva o nosso topónimo Gricha, apresentado em raros dicionários como regionalismo.
Barreira significará encosta, outeiro, cabeço. Cabeço, por seu turno, pertence ao número de vocábulos que se relacionam com o corpo humano, adquirindo uma significação geográfica (metafórica), como é o caso do Cabeço da Negra.
E por agora termino, em 21 de Outubro de 2007.

(1) MACHADO, José Pedro, Origens do Português, vide pág. 115 e seguintes.

José Gomes Quadrado

Comments:
Considero este trabalho muito interessante. Parabéns
 
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