28 março 2004

A.C.R."AS MÓS"

Crónica das Mós
A. C. R.“AS MÓS”
A página 15 do “Pinhel Falcão”, de 18 de Março último, é quase toda ela dedicada ao Desfile Etnográfico e Alegórico da Festa da Amendoeira, em V. N. de Foz Côa. O facto deste evento aparecer tão pormenorizadamente noticiado sensibilizou-me muito. Porém, li com algum desencanto a transcrição da versão errada com que em Foz Côa têm vindo a denominar a Associação de Cultura e Recreio “As Mós”. Refiro-me, concretamente, ao 4º parágrafo, onde ao enunciar as entidades que apoiaram a participação dos vários carros alegóricos, vem citada a “ACR de Mós”. E no parágrafo seguinte, é referido que: “A Associação de Cultura e Recreio de Mós trabalhou O Jogo do Cântaro”. Por lá, tal adulteração acontece não só quando é citada a prestimosa colectividade mas também quando é referido o nome da povoação que ela galhardamente representa. Este desacerto terá origem na falta de rigor de uns e na associação de ideias de outros, levando-os a confundir o nome desta aldeia com topónimos semelhantes, como são, por exemplo: Mós (do concelho de Moncorvo), Mós (do concelho de Tarouca), etc..As Mós (do concelho de Vila Nova de Foz Côa) terá talvez de comum com aquelas a raiz latina “molae”, mas existe uma diferença substancial que distingue este topónimo daqueles, e ela reside no facto de o substantivo próprio ser precedido, desde sempre, do artigo definido as. Daqui resulta que os nomes a as referências daquelas aldeias se confundem uns com os outros, o que não acontece com As Mós. E desta diferença deriva que em relação àquelas duas povoações possamos escrever, por exemplo: eu vou a Mós, eu sou de Mós, eu vivi em Mós, etc. Já o mesmo não acontece quando nos referimos à nossa, dado que neste caso terá que se processar à contracção das preposições a, de, em, com o artigo definido as. E nesta conformidade, somente será legítimo escrever: eu vou às Mós, eu sou das Mós, eu vivi nas Mós ou algo aconteceu nas Mós. Tal legitimidade advém do facto desta circunstância ter raízes etimológicas e históricas muito remotas, que não deveriam ser negligenciadas. O testemunho mais antigo que eu até hoje vi reproduzido alusivo ao nome desta povoação, é uma procuração que remonta a 1380, passada pelos homens mais notáveis do antigo concelho de Numão, nomeando “Joham Annes das moos“ como “lydimo avondoso procurador autor e mensageiro especial” para, nas cortes realizadas em Torres Novas, votar na eleição de D. Beatriz para sucessora de seu pai D. Fernando. Com o decorrer dos séculos, a grafia do topónimo foi sofrendo alterações, mas foram sempre mantidos os dois elementos constitutivos do nome. Assim, no Cadastro à população do Reino, em 1527, é citado como lugar das Moos, (ainda com a grafia medieval); mas já em 1758, em resposta a um inquérito ordenado pelo governo pombalino, aparece a grafia contemporânea, ora com os dois componentes separados, “ vigário de As Mós”; ora com ambos juntos numa só palavra: “Este lugar e freguesia de Asmos hé da Província da Beyra Alta, Bispado de Lamego, comarca de Pinhel, termo da villa de Freyxo de Numão.” Na “História Ecclesiastica da Cidade e Bispado de Lamego”, de D. Joaquim de Azevedo, publicada em 1877, as diversas freguesias aparecem agrupadas por ordem alfabética e divididas por sub-regiões. E na criteriosa ordenação utilizada, aparecem em posições bem diferenciadas As Mós e Mós (de Tarouca): enquanto As Mós aparecem imediatamente precedidas de Arriola, Mós (de Tarouca) surge a seguir a Monteiras. Aqui está bem espelhada a diferença entre os dois topónimos. Em 1844, o articulado duma Postura da Câmara Municipal de Freixo de Numão vai mais longe, já que, repetidamente, os dois elementos do topónimo reaparecem juntos num só : “limite d’Asmos”, “freguesia de asmós” e ribeiro de Asmós. No 1º dos 12 volumes da obra de referência “Portugal Antigo e Moderno”, o topónimo As Mós aparece precedido do nome da freguesia de Asmes.(Página 244). A falta de rigor de certos burocratas chegou ao ponto de nos “legarem” erros etimologicamente grosseiros como este: “Freguesia de Moz” . Depois deste “legado”, quando o correio nacional circulava nos comboios, isto é, até aos anos sessenta do século passado, a correspondência dirigida à gente das Mós (regra geral) levava o seguinte endereço: Estação de Freixo de Numão/ As Mós. Apesar de todas as circunstâncias que venho referindo, a amputação do componente As acabou por vingar. E então, para distinguir o nosso de outros topónimos, nos últimos anos, passou a usar-se a denominação Mós do Douro. Que legitimidade haverá na substituição de As Mós por Mós do Douro? Este acrescentamento carece do rigor histórico e etimológico que está presente noutros topónimos como, por exemplo, Miranda do Douro. Mas embora carecente deste rigor, a nova designação (com menos de 40 anos de uso) seria aceitável se fosse: “As Mós do Douro”. O que é inaceitável é ler em algumas prosas, incoerências como esta: Acontecimento em Mós do Douro no qual participou a gente das Mós e outra que chegou às Mós...Isto é, nalguns casos aprece explícita a contracção das proposições com o artigo definido as, e noutros casos não. Enfim, uma pessegada! Depois de algumas décadas de conformismo perante estas e outras incongruências, surgiu “uma pedrada no charco”: um grupo de beneméritos fundou a Associação de Cultura e Recreio “As Mós”. Mesmo que o seu exemplo não tenha muitos seguidores (como acima se demonstra), o facto de terem optado por este topónimo na sua forma pura, deixa implícita a seguinte mensagem: As Mós é o lídimo nome de ontem, de hoje e de sempre! Já que as raízes etimológicas e históricas do nome da povoação acabaram por ser negligenciadas, respeitemos, pelo menos, a meritória intenção dos paladinos que, a 18 de Maio de 1998, fundaram esta novel e prestimosa Associação. Algés, 2004-03-20 José Gomes Quadrado

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