04 novembro 2008

Toponímia das Mós (continuação)

TOPONÍMIA DAS MÓS (continuação)
José Gomes Quadrado

Etimologicamente o termo Toponímia significa o estudo histórico e linguístico da origem e da evolução dos nomes próprios dos diversos lugares. Quando este estudo é destinado a uma aldeia rural e recôndita como a nossa, no sistema de referenciação geográfica predominam topónimos com origem em substantivos comuns ou nomenclaturas de disciplinas como a Geografia Física (como já ficou dito), a Botânica, a Zoologia, a Geologia, etc. Mas também temos um pequeno número de topónimos que para além do seu significado geográfico, testemunham a evolução “urbanística” da povoação, ou revelam outros factos sociais e históricos da vida comunitária mosense dignos de registo. É de alguns deles que vou começar por me ocupar. Vejamos o caso do Cabo d`Aldeia (Cabo vem do latim vulgar capu e Aldeia do árabe aD-Dai`â (1)). Como é sabido, actualmente, Cimo do Povo e Fundo do Povo designam duas extremidades do casario das Mós, mas durante séculos, o Cabo d`Aldeia era o fundo, uma extremidade da povoação. Os factos sociais e históricos que progressivamente acabaram por colocar este sítio num ponto sensivelmente equidistante do Cimo e do Fundo do Povo ficaram explicitados no meu trabalho “Um Motim nas Mós”. Como também ali ficou escrito, durante muitos séculos, o casario mosense esteve concentrado em redor da igreja “do Apóstolo S. Pedro”, que a partir de 1836 foi transformado no actual cemitério. Este antigo aglomerado ficou para sempre designado por Castelo (derivado do latim Castellu), topónimo que actualmente dá nome à rua que atravessa a Lajinha (diminutivo de laja, laje), – vizinha do sítio onde foi edificada a sede da nossa briosa Associação e do futuro “Centro de Dia” – nome da rua que abrange também o velho recinto do Tronco, onde antigamente eram ferrados os animais. A pouco mais de 100 metros do Tronco fica o Terreiro (do latim terrarius), espaço largo e plano, situado no centro da povoação e que ao longo dos séculos teve as mais diversas utilizações sociais, avultando o seu incomparável e secular préstimo como local de convívio quase permanente de mosenses e de visitantes do sexo masculino, e também um espaço ao ar livre e arborizado, onde sempre tiveram lugar não só a maioria dos episódios dos arraiais da Festa anual, mas também a realização de outros incontáveis folguedos. Sobranceira ao Terreiro e ao Cabo d`Aldeia fica a Rua do Forno (do latim furnu ou fornu), cuja importância histórica reside no facto de ali permanecer (restaurado) o Forno Comunitário e de, mais adiante, permanecer erguida (e também restaurada) a casa particular onde a professora D. Maria do Carmo Almeida chegou a dar aulas a várias dezenas de alunos em cada ano lecctivo, nos anos do histórico crescimento demográfico das Mós, ou seja, entre 1935 e 1944. Foram nove penosos anos em que o Salazarismo manteve encerrada a agora designada “Escola Velha”, depois de ter sido preso um professor por motivos políticos. Escola Velha designa o sítio onde foi erguida, nos anos 70 do século XIX, a primeira escola masculina das Mós. Mas ali deveriam ser afixadas duas placas (no largo e na rua) onde figurasse o nome do Professor José António Saraiva, homenageando-se assim a memória de alguém que sendo o primeiro professor que ali deu aulas, foi, além de insigne pedagogo, um exemplar cidadão e, durante décadas, membro da Junta de Freguesia. Seria um acto de gratidão semelhante ao que aconteceu com a memória do sempre lembrado Dr. Castelinho. A Escola Nova (agora também desactivada) foi construída no fim da primeira metade do século XX, num terreno situado para além da capela de Santo António e do Fundo do Povo e mais distante, ainda, ficariam as amplas instalações da Junta de Freguesia das Mós, construídas depois do 25 de Abril. Estas modernas construções valorizaram muito a Rua de Santo António, embora antes delas fosse já um dos sítios mais significativos da povoação, por nela ter sido edificada há séculos a capela de Santo António. Sobre o étimo do respectivo topónimo, julgo que será interessante referir que quando Fernando Martim de Bulhões resolveu tornar-se frade franciscano (talvez em 1220), adoptando, em Itália, o nome de religião Anthonii, ainda não existia na antroponímia portuguesa o nome António. Por cima da Rua do Forno fica a Rua do Chalé, onde está situado um edifício brasonado cuja “história” ficou amplamente contada na minha crónica “O Antigo Chalé das Mós ou Casa do Campinhos”. Além de uma dezena de topónimos “urbanos” com algum interesse social e histórico, na toponímia rústica mosense existem cinco dos chamados topónimos arqueológicos, a saber: Aldeia Velha, Cruzinha, Campanas, Castelo Velho e Necreal com raiz no grego nekró (2) e relativo ao sítio onde eram sepultados cadáveres, antes da existência da igreja do “Apóstolo S. Pedro”. Em alguns destes sítios foram referenciados vestígios arqueológicos, outros embora com poucos ou nenhuns destes vestígios, são igualmente considerados topónimos arqueológicos. Prosseguindo um propósito começado no escrito agora continuado, vou apresentar mais alguns topónimos fundamentados em patronímicos: Janalves – tem origem na contracção de Janes com o apelido Alves (Janes ou Jannes é uma alteração de Joannes> Johanes, ou seja: Joannes> Joanes> Janes> Jane + Alves = Janalves); Aquele elemento antroponímico entra também na formação do nosso topónimo Gonçalo Joanes, (nome pelo qual ficou conhecido o viaduto ferroviário que atravessa a “foz” do Pigarro); O mesmo prefixo (abreviado) integra também o topónimo Jampires, só que neste caso a contracção é com Pires Passemos a nomes geográficos que têm a sua proveniência nas configurações dos terrenos, nos acidentes geográficos ou na natureza dos solos: Atalho – antes de transformado em bairro, era um sítio ladeirento e pedregoso que se erguia a partir de um caminho (agora um troço de estrada) que ali fazia uma curva larga para tomar o rumo Sul. O topónimo deriva de um carreiro enviesado que atravessava a colina, permitindo aos andantes mais apressados encurtar a distância entre dois pontos do referido caminho; Colado – passagem larga entre montes e outeiros; Costa – rua ladeirenta das Mós e que (tal Cabeço) pertence ao número de vocábulos metaforicamente relacionados com o corpo humano, com uma significação semelhante a encosta; Portelinha – diminutivo toponímico de Portela que, por sua vez, deriva do latim portella; Porto – este topónimo mosense significa “porta de entrada”, vau de um ribeiro, onde se passava a pé, ou a cavalo numa besta; Torrão – por terrão, terreno arável. Topónimos botânicos com formação adjectival: Carrascal corresponde a mata de carrascos ou carrasqueiras, sendo o substantivo comum carrasco “um vocábulo pré-romano, talvez de origem ibérica” (4); Sobradais – o mesmo que sobrais plural de sobral (de sobro+sufixo al) o mesmo que sobreiral que designam um conjunto de sobros ou sobreiros do latim suber, eris. Carvalhal – do latim Carbaliaes, carva Cardeira e Cardal – deriva de cardo do latim carduus ou cardus Fieital – sítio onde crescem fieitos ou fetos de várias espécies. Zambulheira (= Zambujeira), derivado do substantivo comum zambujeiro, espécie de oliveira brava. Zoónimos ou nomes geográficos relacionados com animais temos, entre outros: Pintainho, Vale da Cabra (do latim Capra); Corujeiras – sítio penhascoso com pinheiros onde, certamente, sempre se acoitaram corujas. No Fundo do Povo temos o topónimo Curral, porque se trata dum recinto onde, em tempos passados, se juntava e recolhia o gado. Curral tem como étimo remoto o latim currale. A maioria dos topónimos referentes à Geologia estão relacionados com a actividade mineira, mormente ligada à extracção de volframites e da scheelite, como são: os Filões (que incluía outros no sítio da Gricha); menos conhecidos são os topónimos Minas, Portela das Minas; Chão Grande, etc. No nosso património não temos pelourinho, nem cruzeiros, nem outros monumentos para figurarem na nossa Toponímia. Mesmo as Alminhas, no caminho do Colado, no lugar dum painel representando as almas dos mortos penando no Purgatório, está uma singela cruz pintada numa lajinha colocada no fundo dum nicho embutido numa tosca parede de xisto. O nosso motivo de orgulho está nos cenários de presépio que encaixam o casario e foi também, durante mais de um século, o donairoso Olmo do Terreiro, verdadeiro ex-libris das Mós, que ao secar nos deixou a chorar, como se um parente muito próximo nos morrera.

(1)) José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 2ª edição, 1967, Volume I, pág. 184 (2) Idem, idem, idem, Volume III, pág 1652, (3) Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Elucidário de Palavras Antigas…, Vol I, pág. 88. (4) José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, II volume, pág. 1025


Comments:
Caríssimo Sr. José Gomes Quadrado, seus textos são aulas de memória e de saudade de tão bela terra.

De um descendente de honrado filho de Mós do Douro.

Bem haja.

Paulo Almeida
 
Amigo Paulo Almeida, à semelhança dos seus pais está na hora de começar a visitar com mais assiduidade as Mós.
Todos somos poucos para tornar este pequeno torrão ainda mais dinâmico.
 
Caro amigo, confesso que há muito que tenho vontade de retornar a pisar a calçada xistosa, sentir o calor das gentes e recordar os cheiros e sons típicos deste querido e pequeno povoado. Terei o seu "recado" em conta. Grato.

Paulo Almeida
 
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