28 maio 2007

Aristides Fernandes, um miniaturista das Mós

Crónica das Mós

ARISTIDES FERNANDES, UM MINIATURISTA DAS MÓS

Os empenhados organizadores do 5º ENCONTRO DE MOSENSES E AMIGOS DAS MÓS decidiram que, nesta edição de 2007, haverá o ensejo de “prestar tributo” a um dos artesãos mais dedicados à nossa querida povoação e às suas tradições. Será homenageado um artista popular cuja obra artesanal surge como resultado da sua destreza congénita conjugada com uma extraordinária capacidade de conservar na memória conteúdos de antigas vivências. São estes dois predicados - estimulados pelo anseio de atrair a atenção e até a admiração dos outros - que o levam a concretizar as suas recriações artesanais, e não regras ou técnicas duma qualquer aprendizagem que ele não teve.
Com efeito, o seu engenho inato e a constante recordação dos dias ledos que vivera nas Mós aparecem sempre associados nas suas miniaturas mais emblemáticas, a maioria das quais ele acabaria por oferecer à nossa prestimosa Associação, afim de continuarem a ser apreciadas por quantos têm alguma sensibilidade. E estes encontrarão manifestações duma arte que poderemos considerar “naif” porque obedecem a um estilo despido de artifícios e onde, em contrapartida, predomina a simplicidade. E nestas peças a simplicidade aparece como a consequência natural da elevação dos sentimentos e de todos eles, o mais presente é a saudade, a memória do coração.
Antes de se tornar miniaturista, a sua habilidade já se tinha manifestado em práticas oficinais (e não só) como torneiro mecânico em Lisboa, na vida militar e depois em Angola. Aqui radicado, numa altura em que veio de férias a Portugal, estanciando durante alguns dias na zona de Mafra, teve a oportunidade de visitar a exposição permanente do afamado miniaturista José Franco (de Sobreiro). Embora este mestre sempre tenha utilizado sobretudo o barro, o certo é que o seu exemplo viria a estimula-lo de tal modo que, decorridos alguns anos, depois do seu definitivo regresso a Portugal, passaria a exercer práticas de miniaturista, quase sempre eivadas da recordação dos dias felizes e descuidados que vivera nas Mós. Foi sobretudo a partir da década de 1976 a 1986 que, residindo em Algés, passaria a dispor de mais tempo e de espaço para desenvolver a construção de miniaturas, começando por ensaiar um “regresso” aos tempos vividos na nossa aldeia, como ficou dito. As reproduções mais significativas são “réplicas” de espaços que mais saudades lhe deixaram, como são, entre outros: a IGREJA MATRIZ DAS MÓS, a singela “CASA DA AVÓ” e a vizinha CAPELA DE SANTO ANTÓNIO (o secular “ex-libris” do Fundo do Povo). Nestas, como noutras peças, evidencia a preocupação de reproduzir ínfimos pormenores de arquitectura e de decoração. Assim, se atentarmos na maneira como reconstituiu a igreja das Mós, começamos por verificar que a reproduziu tal como ele a conhecera, na primeira metade do século passado, ou seja, com o campanário revestido de chapa zincada. No que concerne a aspectos decorativos do interior deste templo, é curiosa a maneira como fez sobressair, além de imagens sagradas, a talha dourada que circunda o sacrário. Na CASA DA AVÓ evidencia a preocupação de reconstituir pormenores que desapareceram há mais de 50 anos como são, por exemplo: a máquina de costura com a cabeça coberta com um pano de linho (que ficava junto à “porta rasa”), as arcas, as mesas, etc. etc..
Estas miniaturas, tal como a da CAPELA DE SANTA BÁRBARA, a do CHALÉ DAS MÓS e as referentes a outros recintos fechados, todas elas apresentam os respectivos interiores iluminados, graças a pequeníssimas lâmpadas estrategicamente colocadas, emprestando-lhes um especial e curioso efeito.
Quase todos os presentes neste ansiado Encontro anual conhecem estas e outras das suas peças principais, nomeadamente, as relacionadas com a reprodução de espaços onde, em tempos idos se desenvolveram actividades tradicionais na povoação, tais como: a FORJA, o FORNO COMUNITÁRIO, o LAGAR DE AZEITE, o LAGAR DO VINHO, a ATAFONA, a CASA DA TECEDEIRA, o TRONCO ou a OFICINA DO FERRADOR, o LARGO DO TERREIRO, etc., etc....
Estas são algumas das mais significativas miniatura alusivas à nossa querida povoação; mas muitas dezenas de outras ele construiu, sendo que algumas delas não teriam aqui cabimento, dado o seu elevado número ou porque estão directamente relacionadas com a reconstituição de elementos patrimoniais que ele conheceu noutras terras do País, ou que terão mais a ver com solicitações ou a desafios que lhe terão sido lançados: Uma parte significativa da sua obra artesanal encontra-se exposta em diversas instituições da cidade de Coimbra.
A terminar direi que se observarmos, atentamente, algumas das reconstituições miniaturais de Aristides Fernandes, ficaremos a perceber melhor como a saudade pode funcionar como forja onde se aguçam não só as faculdades inventivas e criativas mas também as recreativas.

Algés, 27 de Maio de 2007
José Gomes Quadrado

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