06 fevereiro 2007

Atribulações da Gente das Mós

Crónica das Mós

ATRIBULAÇÕES DA GENTE DAS MÓS *

De entre as muitas privações a que se tem sujeitado a pacífica gente das Mós, avulta a do abastecimento de água potável. Até há poucos anos atrás, durante os estios dilatados e escaldantes (como sempre foram), viam-se dezenas e dezenas de cântaros enfileirados e um espectáculo confrangedor: mulheres esperando horas pela sua vez, para conseguir que o ténue fiozinho de água saído dos canos públicos enchesse os respectivos cântaros. E como essa água estava longe de poder corresponder às necessidades da população, recorria-se, perigosamente, a todas as fontes de chafurdo, poços e “poçacos”, alguns deles distantes da povoação.
Como um tal estado de coisas era absolutamente insustentável, resolveram mandar reparar a canalização e proceder á ampliação da nascente, situada em pleno ribeiro. Pena foi que antes da efectivação de tais obras, não houvesse a preocupação de estudar as consequências da referida ampliação, nem tão pouco tivessem o bom senso de mandar analisar a água. Agora, durante a estiagem, nas águas turvas que saem das bicas do Cano, navegam as mais variadas castas da vermes e de outra bicharada. E as abnegadas mulheres são obrigadas a colocar na boca dos seus cântaros panos a servir de filtros, para que os indesejáveis navegantes não fundeiem nas entranhas da pobre gente...
Quer dizer: estas ampliações, longe de resolverem a falta de água que se fazia sentir, aumentaram muito o seu grau de insalubridade!
Mas será que a Natureza foi assim tão pouco generosa com a população das Mós?
Não! Nas encostas da Gricha existem três nascentes, donde brota água pura e cristalina que, depois de correr pelas empinadas ladeiras, vai desperdiças-se nas quebradas do Sambado. Ainda que a saúde das populações não seja um valor discutível em termos meramente económicos (como querem alguns), estamos em crer que o aproveitamento dessas águas não seria empreendimento de grande monta, dado que a Gricha fica, relativamente, a curta distância do Cano e o terreno sempre descendente, evitaria despesas com a elevação das águas.
A finalizar deixam-se aqui duas angustiantes perguntas:
Para quando a solução deste grave problema?
Quando tirarão as Mós do marasmo em que caiu?
G. Q.

* Artigo publicado em “O Fozcoense” (o único jornal então existente na região) em 16 de Junho de 1968, a pedido de um grupo de mosenses que (depois do medo o ter levado a recusar subscrever um “abaixo assinado”) me pediu para publicar este artigo que, por “precaução”, assinei somente com aquelas duas iniciais.
E ainda há quem tenha saudades dos medos e das mil atribulações desses tempos !!!

José Gomes Quadrado

Comments:
A afirmação de uma Terra está na sua gente, seja ela muito ou pouco populosa. Não é por ser uma terra em plena desertificação, que as Mós deixa de se afirmar cada vez mais, quer no contexto concelhio, quer a nível nacional. A cada dia que passa esta terra é uma surpresa.
Se uma terra vale pelo seu passado e a sua história. Cada vez mais me convenço, que resultará numa grande obra a compilação dos textos alusivos às Mós escritos pelo amigo José Quadrado complementados com as imagens minuciosamente feitas pelo Carlos Pedro.
Será que não é possível um trabalho destes? O desfio está feito.
 
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