29 agosto 2007

A FESTA DAS MÓS - Origem e Evolução

Crónica das Mós
A FESTA DAS MÓS
ORIGEM E EVOLUÇÃO

Esta é uma Festa cujo início remonta a meados do século XIX, quando os mosenses de então consideraram que teria sido graças à intervenção da Mãe de Jesus que teve fim uma terrífica tragédia que cobriu de luto a povoação: a propagação da “cólera-morbus” ou febre-amarela.
Foi uma epidemia que em vagas sucessivas alastrou por todo o País, e nas Mós terá começado a propagar-se a partir de Abril de 1855, acometendo dezenas e dezenas de habitantes, provocando a morte a uma em cada grupo de três pessoas infectadas. Em finais de Agosto, tomou um tal vulto a mortandade, que parecia que se havia de extinguir a vida humana na aldeia!
Nessa altura, os habitantes das Mós viveram em função das mortes, numa atmosfera trágica, de sucessivos enterros, sempre de lágrimas nos olhos, chorando pelas dolorosas perdas de parentes e amigos. Poucas seriam as casas onde a epidemia não chegou, deixando em muitas delas o luto e o pesar pela morte de pessoas queridas.
Os mais crentes encontravam algum alívio nos encontros que diariamente aconteciam na igreja em redor do Abade António Januário Mendes de Vasconcelos e do seu coadjutor, P.e. António Sacramento Tavares, orando e suplicando pelo fim daquela tragédia. Nestes encontros diários, ambos aconselhavam os paroquianos a dirigirem as suas súplicas e orações à Rainha do Céu porque – recordavam - Ela está singularmente associada à obra redentora de Jesus. Portanto, erguei de mãos postas as vossas preces à compaixão e às lágrimas de Nossa Senhora!
Em finais de Agosto, como ficou dito, a epidemia atingiu o auge e (segundo a tradição) com a entrada do mês de Setembro, de um dia para o outro, a grande calamidade cessou, dando tréguas à pobre gente das Mós. Depois de cinco meses de tantas angústias, chegaram dias amenos daquele findar do Verão!
E porque este facto não podia explicar-se à luz da razão, a população atribuiu o fim de tão doloroso sofrimento a um milagre da Mãe do Salvador. Mas com que título deveriam passar a glorificá-la?
- Necessariamente - teria dito o Abade - deverá ser invocada nos seus mistérios mais profundos e mais dramáticos: Senhora dos Aflitos, Senhora das Angústias, Senhora da Soledade...
A comunidade mosense acabou por decidir que passaria a homenageá-la através do nome que a consagrara num dos trechos mais comoventes da sua passagem pela vida terrena, porque era o que melhor se ajustava à dor e ao estado de alma em que quase todos ficaram depois da procela: a amargura da soledade ou o estado de quem se sente só neste mundo ou irremediavelmente afastado e saudoso de pessoas muito queridas. Nesta conformidade, logo a partir do ano 1856, passaram a venerar a Senhora da Soledade não só na Semana da Paixão (por inerência), mas também no 3º domingo de Setembro.
Através duma colecta foram obtidos meios para encomendar a um santeiro aquela imagem, na qual o semblante esculpido espelha o pranto amargurado mas sereno de quem sabe que a morte física não é o fim, mas o princípio... Imagem assente num andor com a forma duma barca, simbolizando a saudade de todos e de cada um. E assim erguida, passou a participar na “Procissão da Noite”, no “Encontro” com a imagem do Senhor dos Passos, passando a ficar associada à cena mais comovente e culminante das cerimónias pascais nas Mós.
Nos primeiros anos, ambas as celebrações eram profundamente religiosas, realizadas num ambiente lutuoso e triste. Com o decorrer dos anos o luto foi-se atenuando e a festa religiosa de Setembro foi sendo complementada com o arraial cada vez mais alegre. A este progressivo “desanuviamento” não teriam sido estranhos os seguintes acontecimentos: o Abade Vasconcelos passou a ser coadjuvado pelo liberal P.e Luís Guilherme Lopes Pego, (mais conhecido por Padre Guilherme) que, a partir de 1898, acabaria por substituir o velho e conservador Abade; com a chegada do comboio foi crescendo o fenómeno migratório; entretanto, aconteceu a Revolução de 5 de Outubro de 1910 e a implantação da República.
Estes factos, provavelmente adicionados a outras razões, terão contribuído para que se verificasse a reactualização da Festa Anual das Mós, deixando de ter por principais motivos as tristezas do passado, para passar a ser um evento onde a solenidade litúrgica era complementada com o alegre e o ansiado Arraial, o anual ensejo de confraternização entre residentes e alguns dos deslocados, mormente nas cidades do litoral.
Esta Festa grande desde sempre foi realizada por uma comissão constituída, normalmente, por sete mordomos e um “presidente”. Durante um século, ser mordomo da Festa era considerado um privilégio e uma honra. Entre os residentes não faltava quem quisesse integrar uma comissão que, normalmente, era presidida por um dos mais abastados e conceituados proprietários da terra. Mas os melhores eventos resultaram sempre da conjugação de esforços dos mordomos com os de outros, sobretudo com jovens residentes.
O dinheiro necessário para pagar aos músicos, ao padre pregador e ao fogueteiro, começava por ser angariado, até aos anos 30, através de circulares enviadas pelas comissões, apelando à contribuição dos conterrâneos com mais posses; depois de 1948, normalmente, os mordomos passaram a adoptar os peditórios directos e verbais. Mas os contributos mais significativos sempre foram obtidos nas procissões destinadas, também e não só, à recolha de oferendas resultantes de promessas por “graças obtidas”. As receitas acabam por incluir, também, o dinheiro obtido com a arrematação das restantes oferendas leiloadas no “bazar” montado no Terreiro.
A partir de 1926, os aspectos lúdicos das festas e romarias passaram a ficar condicionadas pela maior ou menor tolerância do clero. Em 1933, a diocese de Lamego passou a ser dirigida por D. Agostinho de Jesus e Sousa, considerado como o mais austero dos bispos portugueses, e desta fama deu provas já que, desde logo, determinou austeras normas disciplinares ou de conduta para a realização das festas de todas e de cada uma das freguesias da diocese, determinando a “necessidade de expurgar de cada uma delas os divertimentos profanos”, isto é, passou a não autorizar que as respectivas populações se “divertissem à sombra da Igreja, sob o patrocínio das seus santos.”
Desde logo deixou de se fazer a Festa nas Mós, mas a rigorosa aplicação das repressivas normas foram mais sentidas a partir de 1936, altura em que se verificou o afastamento do indulgente Padre Guilherme e a vinda dum sacerdote austero, o Padre Vitorino Saraiva Sequeira, que de imediato retirou à alegre gente das Mós todo e qualquer ensejo de desenvolver algo que tivesse a ver com um arraial nas imediações da igreja. A sua inflexibilidade levou-o ao ponto de lançar a excomunhão sobre dois jovens que se “atreveram” a expressar a sua discordância com tamanha austeridade. Mais grave foi, todavia, o conflito que opôs alguns paroquianos mais insofridos ao pároco de Foz Côa, Padre José António Marrana, sacerdote que chegou a pedir (e a obter) a anuência de Salazar (quando da sua ligeira passagem pela sede do concelho, em 1941) para reprimir os “insubmissos”. Por coincidência ou não, foi neste mesmo ano que o Padre Vitorino foi substituído por um outro ainda mais severo, o Padre João Cardoso dos Santos, que permaneceria nas Mós até que teve de ser substituído em 1947, por ter enlouquecido.
Durante os 15 anos que durou este deplorável interregno, não houve Festa nas Mós. Mas a juventude das Mós inconformada com tamanha austeridade e amiga de dançar e de folgar (como sempre), acabou por encontrar alternativas, através dos bailes realizados em recintos fechados, em número jamais visto na aldeia, sobretudo a partir da altura em que os jovens residentes passaram a usufruir dos proventos devidos à (também proibida) extracção dos minérios do volfrâmio (volframites e scheelite). E assim, no decorrer do primeiro lustro dos anos 40 do século XX, tirante o domingo de Páscoa, não passava um só domingo sem a realização de um ou mais bailes na povoação.
Em 1947, com a chegada do Padre Manuel Gomes Vital a vida comunitária deixou de estar assente numa rígida liderança clerical, para abranger também a vontade dos paroquianos. E graças ao esclarecido critério do novo pároco, logo em Setembro de 1948, foi reatada a realização da Festa Anual das Mós. Entre 11 e 18 deste mês, a generalidade dos mosenses viveu jubilosos dias, principalmente as camadas mais jovens que, com raríssimas excepções, procuraram cooperar: quer participando nas diversas cerimónias religiosas, quer nas várias realizações lúdicas. Com efeito, não faltaram moças que se disponibilizaram para exercer a função de catequistas, preparando dezenas de crianças para as cerimónias inerentes à comunhão solene. Do mesmo modo que muitos foram os jovens que se prontificaram para a ensaiar ou para representar na peça de teatro então levado a cabo, e outros, mais dotados para a música, dispuseram-se a participarem no espectáculo de variedades que teve lugar no então moderno edifício da agora desocupada escola.
A partir de 1948, com raríssimas excepções, o pendão passou a ser reerguido no cimo da copa do Olmo do Terreiro, anunciando a realização da Festa grande das Mós, cujo arraial passou a ter lugar não só a espaços da tarde do terceiro domingo de Setembro, mas também na segunda-feira seguinte. A programação do domingo foi quase sempre idêntica às que se observam na generalidade das festas tradicionais de vilas e aldeias do norte do País. O mais extraordinário da Festa das Mós, começa por exigir um adicional esforço aos músicos das filarmónicas contratadas para “fecharem” as festividades, devido à sua participação na “última volta ao Povo”, a expressão máxima do carácter folgazão da gente das Mós, realizada ao cair da tarde de segunda feira, consistindo na formação dum enorme cordão humano: gente dos diversos extractos sociais e grupos etários, de mãos dadas, integrando os músicos mais entusiasmados. São cerca de duas horas duma confraternidade que só tem alguma comparação com o ambiente alegre vivido na noite de S. João no Porto. A partir duma certa altura, ela passou a ser o ponto culminante do fraternal Encontro - Convívio de residentes com parentes e amigos vindos de diversos pontos do País. E não raro, alguns destes músicos têm vindo a despedir-se, gritando: - Adeus alegre gente das Mós!
Antes de findar o século XX, o donairoso Olmo do Terreiro secou (dele só resta a saudade), a população residente decresceu e envelheceu drasticamente e com este despovoamento a Festa anual foi definhando, passando a ser comum a incerteza da sua realização. Mas quando a vida social das Mós chegou a esta precária situação, quando a todos nós parecia que só restaria a saudade como lembrança triste que nos mortifica, apareceu a determinação e o entusiasmo dum pequeno grupo de mosenses que nos tem vindo a demonstrar que a saudade também é esperança dinamizadora. Com efeito, apesar de vivermos numa altura em que o egoísmo, o consumismo e a indiferença para com o próximo prevalecem em relação aos valores do espírito, eles têm vindo a dar corpo a uma meritória acção conjunta das duas instituições locais: a Junta de Freguesia e a Associação de Cultura e Recreio “As Mós”. E unidos como os dedos das mãos, têm conseguido resultados inimagináveis noutras situações. Deste associativismo modelar resultaram para além do mais, múltiplos Encontros de cariz lúdico e cultural, juntando muitos mosenses residentes, ausentes e amigos das Mós. E assim, para além da tradicional FESTA anual, a vida social das Mós passou a ficar mais enriquecida com outros Encontros de convívio e de recreação. A todos eles acorrem os que entranhadamente gostam das Mós, rejeitando o cada vez mais generalizado individualismo.
A Festa anual em honra de Nossa Senhora da Soledade teve o mais elevado brilhantismo quando a Associação juntou às luzidas facetas da Festa, a Exposição Artística e Artesanal em 2004, ano em que a Festa das Mós terá atingido o maior brilhantismo de sempre, sem desprimor para outras, organizadas por dedicados mordomos.
Bem hajam todos!

Algés, 29 de Agosto de 2007
José Gomes Quadrado


Comments:
Resumo fantástico... parabéns ao autor
 
Excelente
 
Palavras para quê! É um artista Mosense e dum talento infindável.
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?