26 fevereiro 2010

O NOSSO ARADO

Este instrumento aratório – cientificamente designado arado radial lusitano – foi, durante muitos séculos, o único utilizado pelos nossos antepassados. Era designado radial pelo facto das suas três peças estruturais – o dente (rasto ou rabela), o temão (timão ou vara) e a rabiça (ou mãoseira) – irradiarem do mesmo sítio: da parte inferior do dente.
O temão ou vara era atravessado verticalmente pela teiró ou ateiró. Esta, na maior parte dos casos, era constituída por uma peça de madeira com cerca de 6 centímetros de largura, 2 de espessura, por 60 de comprimento, fortemente encravada na face inferior do dente, formando um ângulo mais ou menos agudo, já que a teiró podia ser regulada por meio de cunhas na base do temão e da chaveta (peça que servia para fixar a teiró) de acordo com a profundidade da lavra pretendida. Assim, por exemplo, para lavrar os solos mais delgados (como são os da maioria da nossa região) erguia-se e fixava-se o temão até ao ponto mais alto da teiró, para lavrar terras mais fundas, era retirada a cunha do temão e a chaveta da teiró; em seguida, fixava-se o temão no ponto mais baixo da teiró e colocava-se novamente a cunha na base do temão. Os exemplares mais completos tinham um mexilho ou pespeeiro de ferro que atravessava a rabiça, onde eram fixadas as aivecas que acabavam presas na parte fundeira do dente, ou no interior da relha. Esta era feita de chapa de ferro, com 2 centímetros de espessura, pesando cerca de 5 quilos e apresentava uma concavidade (a gola) que permitia o seu perfeito encravamento na ponta do dente. Tanto o temão (um pau com 3 ou 4 metros de comprimento) como a generalidade do conjunto dental eram feitos das madeiras retiradas de algumas das árvores mais abundantes na região: freixo, negrilho, e até carrasco. Não serão muitos os meus pacientes leitores que terão visto este nosso arado em acção; já o mesmo não direi do designado arado radial “escachado“, destinado a lavrar com um só dos animais de tracção e que funcionou até mais tarde, utilizado por pequenos proprietários. O arado “escachado“ tinha o mesmo conjunto dental daquele, só que a parte dianteira do temão era constituída por duas hastes encurvadas, quase sempre feitas de negrilho. Mas o que eu gostava de recordar era o expressivo arado radial com o temão comprido e direito, em cuja extremidade existe um orifício onde se metia uma chavelha para prender o arado ao jugo duma junta de bois ou à canga duma parelha de bestas. Recordam-se? Além de ser o mais antigo e singelo, era o mais leve e manejável dos arados portugueses e por isto mesmo, foi o que melhor se adaptou à inclinação e à magreza dos nossos terrenos aráveis, o mais indicado para rasgar solos muitas vezes esqueléticos, requerendo lavras pouco fundas, de modo a não arrancarem as raízes das plantas perenes que evitam o deslize de terras e a erosão eólica excessiva. E também o mais fácil de transportar nos ruins e tortuosos caminhos da nossa região. A juntar a todas as referidas características, há que referir a barateza tanto da sua construção como das necessárias reparações e, portanto, o mais indicado para as fracas posses dos nossos agricultores tradicionais. Foram todas estas razões que permitiram que sobrevivesse, durante alguns anos, às novidades trazidas por outros tipos de instrumentos de lavrar, mais sofisticados, mais pesados e mais caros: Sobreviveu à chegada da charrua de tracção animal e mesmo a da tracção mecânica. Mas a sua continuidade não pôde resistir ao estado de abandono a que chegou a nossa agricultura regional. E assim, depois de séculos e séculos de serviços prestados, passou à situação de reforma. Aos estudantes que tiveram a paciência de ler o meu escrito, sugiro que procurem (antes que seja tarde) em quinteiros, em velhos palheiros, etc., algum exemplar do nosso vetusto arado de pau; tirem-lhes algumas fotografias e, se pretenderem, podem fazer um estudo mais aprofundado, comparando-o com outros tipos de arado. Informações teóricas poderão encontrá-las não tanto no que escrevi no Nº 9 da revista COAVISÃO (de 2007), mas mais nas referências bibliográficas que ali deixei.
José Gomes Quadrado

Comments:
Gostei deste magnífico texto cultural. Não tinha a mínima ideia da existência deste arado, do que era feito, como era feito e como era usado. Penso que seria muito importante tentar descobrir um exemplar e adquiri-lo para a A.C.R."As Mós", se é que ainda não foi feito.
Parabéns Dr. Quadrado pelos seus ensinamentos.
 
muito obrigada pela partilha!!
 
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