23 julho 2007

A Evolução Agro-Comercial em Terras do Nosso Concelho

Se a alguns dos residentes caberá a responsabilidade de cultivar e/ou de preservar o património herdado dos nossos antepassados, a nós, ausentes, compete-nos divulgar a identidade e a história do património colectivo. O mais comum é escrever sobre eventos ou o património edificado, desta feita, de entre as muitas potencialidades turísticas do nosso concelho, incluindo as mundialmente celebradas gravuras rupestres, resolvemos destacar os aspectos agro-económicos e paisagísticos, detendo-nos, sobretudo, na evolução do demorado processo que levou à efectiva integração do nosso concelho na primeira Região Demarcada do Mundo; seguida duma breve síntese do deslumbrante espectáculo das amendoeiras em flor.

Na primeira fase desta evolução, os nossos antepassados desenvolveram, mormente, uma agricultura de subsistência que para além de alguma horticultura e de vinhas para consumo doméstico, consistia em destinar a maior parte das terras agricultadas para sementeiras de centeio, precedidas de “queimadas”. Na maior parte dos terrenos medrava o mato, no meio do qual extraíam o sumagre, cuja venda foi constituindo uma das suas principais fontes de receita.
Durante séculos, este e depois outros produtos foram comercializados duma maneira incipiente, devido a um obstáculo natural, o famigerado “Cachão da Valeira”, uma terrífica queda de água com cerca de sete metros de altura, provocada por um fragão granítico que atravessava o Rio de margem a margem, que não permitindo sequer a passagem de peixes na desova, constituía um inultrapassável obstáculo à circulação de pessoas e bens por via fluvial entre o Douro Superior e o litoral.
Tal como nas restantes sub-regiões do Alto Douro, a arboricultura só começaria a tomar algum incremento a partir do século XVI, altura em que passou a difundir-se a plantação da oliveira. Na segunda metade do século XVII, teve início a exportação do vinho generoso para a Grã- Bretanha. Em 1675 o vinho fino do Douro passou a ser designado “Vinho do Porto”, e no segmento situado a jusante da Valeira, sobretudo, no “Baixo Corgo”, começou a expandir-se a plantação da vinha, que teria um extraordinário desenvolvimento entre 1730 e 1740, passando-se a ensocalcar quase todas as encostas ribeirinhas do Douro e dos cursos inferiores dos seus afluentes. A especulação dos exportadores ingleses e a adulteração do vinho fino por parte de alguns produtores, levaram ao descrédito do denominado Vinho do Porto. A esta ruína atalhou o Marquês de Pombal, em 1756, criando a Região Demarcada do Douro e concedendo o monopólio da venda da produção vinícola à poderosa Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, estabelecendo a sua circunscrição que, no decorrer de século e meio, viria a ser repetidamente ampliada, sem “beneficiar” nunca as vinhas situadas a montante da Valeira, mesmo depois do rompimento daquele fragão (1792) e deste sítio ter ficado completamente navegável a partir de 1807.

Assim, enquanto a expansão da viticultura ia estabelecendo ali, gradual-mente, um regime de monocultura, em terras que viriam a integrar o concelho de Foz Côa predominavam os solos incultos, onde vegetavam o sumagre e alguns olivais, sendo a plantação de vinhas restrita e dispersa. Na nossa zona ribeirinha avultava a “Quinta das Figueiras”, uma propriedade coberta de matagais que além de muitas figueiras, produzia, apenas, 10 almudes de azeite e entre 180 e 200 alqueires de centeio. Em 1823, o rico e poderoso vinicultor duriense, António Bernardo Ferreira “tomou de foro perpétuo” esta quinta aos condes da Lapa. E no lugar daquele matagal, numa área 140 hectares, mandou plantar 600 milhares de bacelo, para além da construção de lagares e de armazéns, fazendo dela uma das mais emblemáticas quintas do Alto Douro. Em 1830 viria a crismá-la de Quinta do Vesúvio. Tendo falecido em Janeiro de 1835, esta grandiosa obra teria continuidade sob a orientação de sua sobrinha e nora, Dona Antónia Adelaide Ferreira, a legendária “Ferreirinha da Régua”, que terá feito dela uma superfície cultivada superior a 300 hectares, onde chegaram a ser produzidas, em 1847, além de 596 pipas de vinho fino, 40 pipas de azeite e 200 arrobas de amêndoa!
Ao “Baixo Corgo” acabaria por juntar-se o “Cima Corgo”, formando O “Douro Vinhateiro”, uma sub-região que, progressivamente, passou a depender exclusivamente da cultura da vinha. Mas a riqueza que brotava das suas encostas ribeirinhas começou por receber o primeiro golpe entre 1851 e 1857, com a invasão duma grave moléstia chamada oídio, que depois de atacar os vinhedos do “Baixo Corgo”, viria a molestar as vinhas situadas a montante.
Por esta altura, o município fozcoense aprovou disposições que incentivavam os proprietários do concelho a plantaram mais vinhas, porque muita da produção obtida no concelho era vendida à Quinta do Vesúvio para, depois de vinificada, seguir o caminho da exportação.
Quando se descobriu que o enxofre era o remédio indicado para conter o oídio; em 1868 surgiu uma outra praga ainda mais implacável: a filoxera. Muito mais difícil de combater, atingiu o auge dos seus efeitos devastadores por volta de 1890, arrasando 64% das vinhas do “Douro Vinhateiro”. Depois, em 1893, para a desgraça ser completa, apareceu o míldio a desferir um rude golpe no que restava daqueles vinhedos. Os efeitos destas sucessivas pragas foram incomensuravelmente funestos para o designado “Douro Vinhateiro”, já que ali, durante um prolongado período, foram dizimados vinhedos e vinhedos, transformando grande parte deles em “mortórios”: E tão “queimados” ficaram, que uma boa parte da sua área original jamais foi recuperada, pois ainda hoje são visíveis as imagens daqueles flagelos. Viveram-se anos de extrema miséria para os que dependiam do trabalho na vinha. E a ruína dos proprietários foi tal, que muitos deles foram engolidos por uma onda de falências, que viria a ser aproveitada por alguns capitalistas portuenses que compraram ao desbarato diversas quintas em toda esta sub-região.
Aqui a filoxera teve um efeito semelhante a uma incontrolável sucessão de incêndios, devorando vinha após vinha, quase todas as que, durante décadas e décadas, ocuparam exclusivamente a maioria dos terrenos ribeirinhos. A produzirem durante tanto tempo, alguns destes solos estavam demasiadamente esgotados para puderem resistir àquela sucessão de flagelos e as respectivas vinhas acabaram transformadas nos já referidos “mortórios”. Maior foi a resistência dos terrenos do nosso concelho, porque plantados com vinhas novas e dispersas, permitiram que sobrevivessem as cepas, que quando afectadas foram mais facilmente recuperadas.
Por outro lado, aqui não se verificou aquela crescente e terrífica miséria, porque embora os terrenos que antigamente eram destinados à cultura cerealífera, a partir do primeiro quartel do séc. XIX, tivessem sido, em grande parte, absorvidos pelo incremento da viticultura, ao contrário da área da Região Vinhateira mais antiga, a actividade agro-comercial não ficou a depender exclusivamente da vitivinicultura, porque aqui foram comercializados produtos adiante referidos, que tiveram uma importância decisiva na economia concelhia. Entre estes avultava o finíssimo azeite, já que muito antes das plantações mais ou menos intensivas dos bacelos, nos terrenos mais férteis avultavam frondosos olivedos como, por exemplo, os do Vale da Vila que, na parte baixa, atinge o seu ponto culminante com os majestosos olivais da Veiga no Pocinho, formados por árvores colossais, de grande produção. E tão zelosos eram os seus usufrutuários que chegavam ao ponto de implorarem:

Nossa Senhora da Veiga,
Vizinha dos olivais,
Olhai a minha azeitona,
Não ma comam os pardais:
Comam uma, comam duas,
Comam três, não comam mais...

Na Quinta do Vesúvio o olival ocupava já um lugar importante, como ficou dito. Mas essa importância redobrou, quando o filho de D. Antónia, António Bernardo Ferreira, mandou plantar ali mais de 10.000 oliveiras. E além destes, outros grandes e pequenos proprietários do nosso concelho se foram governando (melhor ou pior) não só com a comercialização do vinho e do finíssimo azeite, mas também com os rendimentos da sericicultura, do sumagre e da amêndoa.
Depois da reconstrução da Quinta do Vesúvio, outras quintas vieram a ser replantadas de vinhas como a do Caldeira, em 1858 e a Quinta do Reguengo, entre outras. Em 1881, D. Antónia comprou terrenos no Monte Meão, em hasta pública, para fundar a Quinta do Vale do Meão, onde, entre 1887 e 1896, terá plantado mais de 900.000 cepas que terão chegado a produzir 389 pipas de vinho.
Embora saibamos que muito do vinho produzido nestas quintas e fora delas tivesse como destino os mercados estrangeiros, não podemos esquecer que se tratou duma exportação considerada “ilegal”, devido ao facto da integração das terras do nosso concelho na Região Demarcada do Douro ter sido tardia e mitigada, porque ao referido obstáculo natural se juntaram interesses instalados, que levaram a sucessivas e inconcebíveis legislações que não cabe aqui explicitar; interessa apenas reafirmar que esta conjugação de obstáculos determinou que duas sub-regiões, embora com as mesmas aptidões produtivas, tivessem destinos diferentes. E nestas diferenças residiram as razões que fizeram do nosso concelho, não só o último reduto do melhor sumagre português, mas também aquele onde se colheram produtos da mais alta qualidade, como, por exemplo: o já referido azeite, as várias espécies hortícolas, os dulcíssimos figos, as sumarentas laranjas e muitos outros frutos. E fizeram dele, também, aquele onde o espectáculo das amendoeiras em flor é mais deslumbrante!

O espectáculo das Amendoeiras em flor

Semanas antes do equinócio que assinala o início da Primavera, mesmo antes de se cobrirem de folhas, as amendoeiras estendem os seus esguios ramos ao sol do Inverno para que desabrochem as suas delicadas flores, tornando-se, assim, as gloriosas precursoras da Primavera. E ao prenunciarem a renovação da Natureza, vão vestindo de gala o nosso concelho que muito se ufana das suas formosíssimas flores. Mas a floração é muito melindrosa, por ser pouco resistente às intempéries. Por isso, os melhores amendoais residem nas encostas mais abrigadas e bem expostos ao sol, onde o vento (sobretudo o vento norte) não açoite as amendoeiras com violência. E para além de melindrosa, esta floração tem uma duração muito breve, por isso lá diz a quadra popular:

“Amendoeira florida,
Símbolo da formosura,
É como a flor da vida,
Floresce e pouco dura.”

Nos horizontes ondulantes são variados e deslumbrantes os quadros paisagísticos que se podem observar, eles diferem consoante o tempo de floração. Se o desabrochar está no começo, as donairosas amendoeiras apresentam-se esplendorosamente ataviadas com grinaldas, fazendo lembrar, como escreveu Cândido Guerreiro:

“Meninas da primeira comunhão,
Ascéticas, descendo da montanha
À beira do caminho em procissão.”

Mas quando as encontramos com as corolas mais abertas, as meninas na pubescência dão lugar a moças casadoiras, muito ataviadas com os seus esbeltos toucados brancos, a bordarem os caminhos ou a descerem pelas ladeiras desertinhas por casar; mas vejamos o que diz o Poeta:

“Como um cortejo, mal organizado,
de donzelas garridas e palreiras,
todas de branco, as amendoeiras,
descendo em grupos as ladeiras,
dão-nos a sugestão de irem p`ra um noivado.”

Quando navegamos no Douro ou dele nos aproximamos, esta espécie de prodígio da Natureza prolonga-se com os reflexos nas águas límpidas. Então, somos levados a imaginar que estamos perante as celebradas ninfas a estenderem os véus e vestidos alvíssimos que o próprio Sol lhes teceu.
Depois, o espectáculo das amendoeiras em flor é ainda mais fascinante quando os silêncios profundos são interrompidos, a espaços, pelos zumbidos das canseirosas abelhas. Os nossos olhos observam e a emoção deixa-nos perceber melhor o maravilhoso resultado da confluência da Natureza com os esforços dos nossos agricultores.
Este lirismo bucólico oferece-nos tais sensações que as palavras não bastam para as descrever e então, das duas uma: ou nos conformamos com a consagrada síntese de Santo Agostinho (“Sabemos o que é, mas não sabemos dizer como é.”) ou então, como agora acontece, socorremo-nos da inspiração de grandes poetas para deixar perceber minimamente a nossa fascinação. Cândido Guerreiro, o Poeta que nos vem ajudando, não se cansa de exclamar:

“Neve em flor! Sonho! Alvura! Quem descreve
O noivado irreal que se aproxima,
Tão branco, tão diáfano, tão leve,
Que nem talvez na música se exprima?”

Mas atenção! É certo que nas flores da amendoeira predomina o branco imaculado, mas também as há cor-de-rosa brilhantes ou com gradações de rosa a branco. E estas, vistas de perto, são ainda mais belas. Se calha passearmos durante uma tarde soalheira de finais de Fevereiro ou princípios de Março, com uma atmosfera límpida e transparente, os amendoais floridos apresentam-se-nos ainda mais deslumbrantes. Todas as florações são belas, naturalmente, mas nenhuma outra é tão fascinante como a da amendoeira!
Como qualquer encanto, as delicadas flores têm uma duração efémera, como ficou dito. As mimosas pétalas vão gradualmente pousando, fatigadas, passando a engalanar o chão das ladeiras, os caminhos, as veredas e a vegetação mais rasteira. Embora fugaz, enquanto vicejam empresta à Natureza uma beleza deslumbrante. É perfeitamente magnífico o espectáculo das esguias amendoeiras ostentando nos seus ramos as delicadas flores, dispostas em inclinados anfiteatros, enfeitando cenários de presépio de que o nosso concelho é tão pródigo. Este espectáculo visto nos cenários ondulantes é tão deslumbrante, que não há palavras que o descrevam exactamente. Por isso, os poucos poetas que se “atreveram” a descrevê-lo, apresentam os seus versos repletos de pontos de exclamação (como acima ficou demonstrado).
À falta de palavras para exprimir o deslumbramento, podíamos apelar à participação de paisagistas e de aguarelistas, repetindo a ansiosa estranheza de António Nobre, reflectida nestes dois versos:

“Qu`é dos Pintores do meu país estranho,
Onde estão eles que (não) vêm pintar?”

Mas o que então sentimos é mais concordante com o apelo emocionado de Teófilo Carneiro:

“Pintores de Portugal, ajoelhai!
Isto é um milagre, não é cor nem tinta!
Mas, não pinteis, Pintores: orai, rezai...
Que uma beleza destas não se pinta!”

São sensações produzidas em terras do nosso concelho que se podem orgulhar de integrarem um verdadeiro “país das amendoeiras” porque aqui reside a maior densidade destas delicadas árvores.
A comercialização da amêndoa já teve melhores dias no passado. Actualmente a sua importância económica fica aquém da do nosso azeite (o mais fino do País), dos vinhos fino e de mesa da melhor qualidade. Mesmo assim, a saborosa amêndoa (bem apartada da amargosa) integra o conjunto dos três produtos de maior importância agro-comercial do nosso concelho. Maior relevo tem, todavia, a floração da amendoeira, porque desempenha um papel decisivo no desenvolvimento da nossa indústria turística.
Para além de se poder considerar o “país das amendoeiras” e produtor do azeite mais fino de Portugal, contando agora, também, com a excelente produção de vinhos (e com os aspecto lúdicos e culturais) da moderna Quinta da Ervamoira, Foz Côa pode orgulhar-se de ser o concelho vinhateiro mais importante do Douro Superior, produzindo não só óptimos vinhos generosos mas também o mais afamado dos vinhos de mesa, já que, como é sabido, foi na Quinta do Vale Meão onde foi gerado aquele que é considerado, pelos entendidos, como o melhor vinho tinto do País: o “Barca Velha”. Portanto, é com maior justeza que o nosso concelho integra a Região Demarcado do Douro, consagrada como Património da Humanidade.

José Gomes Quadrado

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