28 janeiro 2006

A Obra do Padre Armando nas Mós

Crónica das Mós
A OBRA DO PADRE ARMANDO NAS MÓS
Acabei de ler um resumo de “Dom e mistério” (“Dono e mistero”) publicado em 1996, onde o venerado Papa João Paulo II deixou recordações e reflexões sobre os primeiros doze anos de sacerdócio. Mesmo correndo o risco de contrariar a modéstia de Monsenhor Armando Ribeiro, não posso deixar de dizer que encontrei parecenças entre a actividade pastoral desenvolvida pelo jovem sacerdote Karol Wojtyla, durante os referidos doze anos, e a que levou a cabo o Padre Armando nas Mós, nos primeiros onze anos da sua actividade sacerdotal (1961-1972). A semelhança reside, essencialmente, na jovialidade, no gosto pela prática do desporto, na capacidade de se assumirem, simultaneamente, como activantes e como participantes no seio das respectivas comunidades. O jovem sacerdote Wojtyla, além de outras virtudes, tinha o dom de unir e entusiasmar os seus jovens paroquianos para a prática de desportos como o montanhismo e, sobretudo, a canoagem. O Padre Armando, tendo iniciado a sua actividade sacerdotal nas Mós (onde residia), em Murça e em Santo Amaro, desde logo deu provas de possuir o condão de atrair e de agregar a rapaziada mosense e com ela fundar um clube de futebol que, devidamente equipado, viria a ser designado “Grupo Desportivo de Mós”. E a congregação de esforços foi tal, que resultou, depois, na construção dum recinto propício à prática deste desporto: o “Campo da Portela”! A sua grande capacidade de mobilizar vontades abrangeu também alguns menos jovens, formando com eles a “Comissão Paroquial”, um conjunto de homens bons que o acompanhou em sucessivas acções de angariação de fundos, tendo em vista o enriquecimento e conservação do património paroquial, através da efectivação de obras como: a construção da residência paroquial, a restauração da capela de Santa Bárbara e da igreja matriz, a renovação da capela de Santo António, etc., etc.. A Obra do Padre Armando foi tanto mais meritória quanto é certo ele tê-la desenvolvido numa conjuntura muito precária. Com efeito, foi durante os anos sessenta e princípios da década seguinte que muito se fez sentir a “sangria” demográfica que afectou não só as Mós mas também o agora designado Portugal profundo. Para além de rapazes mobilizados para as guerras no Ultramar, muitos outros, mais jovens e menos jovens, partiram para diversos destinos, em busca de empregos e de melhores condições de vida. Atento a esta e a outras realidades, o Padre Armando, depois de muitos e porfiados esforços, conseguiu lançar o primeiro número do “CAMINHEIRO”, no dia 19 de Setembro de 1971, quando decorria a festa em honra da Nossa Senhora da Soledade. “Para quê um Jornal?” – perguntava ele no primeiro editorial, para logo a seguir responder: - “De há muito me perseguia a ideia duma Folha Paroquial, que fosse elo de ligação com todos os naturais da freguesia, sobretudo com os dela ausentes.” Poucos dias depois, este mensageiro vinha ao meu encontro em Lisboa, trazendo-me notícias mais pormenorizadas do que acontecia nas Mós. Logo no primeiro número, o saudoso amigo Dr. Castelinho, num artigo intitulado “Homenagem e Reconhecimento”, prestava tributo ao “rev. P.e Armando Ribeiro” por, durante dez anos, “ter presidido aos destinos espirituais desta Paróquia com tanto zelo, inteligência e dedicação e revelando o maior interesse e iniciativa pelo progresso moral e material desta Freguesia”. Através do número 2 do “CAMINHEIRO”, de 17 de Outubro de 1971, soube da realização dum encontro de futebol entre o grupo mosense e o S.C.V.N. de Foz Côa que, integrando o programa da Festa, se destinava a prestar a homenagem de despedida, como jogador, ao P.e Armando. Por isso mesmo, o ponto alto do evento chegaria com o intervalo, altura em que o já veterano jogador dava por finda a sua participação nos jogos do clube que ele próprio fundara, como lembrou, em breves palavras, o Dr. Castelinho, acrescentando que todos os mosense lhe deveriam continuar gratos pelo muito que espiritualmente fizera como Padre e Amigo das Mós. Depois, a rapaziada entregou ao homenageado “uma pequena salva de prata como reconhecimento do bem que sempre prestara à freguesia”. O jogo terminou com uma concludente vitória dos fozcoenses por 5 a 1, levando eles para Foz Côa a taça “P.e Armando”. Quem digeriu mal a derrota foi o “repórter de serviço”, Zé Aires, que na rubrica “Desporto”, veio com desculpas esfarrapadas, atribuindo ao árbitro a responsabilidade pelo desaire. Este amigo e outros mosenses da mesma geração tiveram não só o privilégio de viverem inolvidáveis dias de confraternização (como este) mas também o ensejo de participar na derradeira e mais do que justa homenagem ao Rev. Padre Armando. Ela seria a última porque logo a 21 de Maio de 1972, no CAMINHEIRO n.º 9, avultava o editorial do nosso descontentamento, porque o Padre Armando anunciava:“... dentro de um mês deixarei de ser vosso pároco, pois vou frequentar um Curso Catequético, em Paris.”. E a última parte do extenso editorial (o “Adeus”) depois de palavras carregadas de poética nostalgia, terminava assim: “Não me admira que já sinta saudades e que ao fechar a porta desta casa, fruto do suor, sangue e sacrifícios de todos nós ou ao dobrar a curva da estrada, alguma lágrima teime em rolar-me pela face. É que sou homem, é que eu era e sou vosso amigo”. Perdêramos um grande Pároco, ficou-nos a consolação de mantermos um bom Amigo. Efectivamente, mesmo depois de ter ascendido a mais elevados cargos, não deixou de nos confirmar a sua confessada amizade, sobretudo através das crónicas que foi publicando, quase ininterruptamente, durante dois anos e meio, no mensageiro que ele próprio criara. Começou por nos enviar noticias nas “Cartas de Paris”, depois passou a enviar-nos mensagens e matérias mais profundas dirigidas à nossa reflexão. A Folha Paroquial que nos deixara por herança continuou publicar-se, mensalmente, durante mais dois anos e nove meses (salvo erro), graças ao empenho de algumas boas vontades mobilizadas, ainda, pelo exemplo do seu devotado fundador. Eu soube, desde logo e directamente, quanto o desgostou o seu desaparecimento. E esta mágoa não foi passageira. Cerca de 24 anos depois, no “Notícias de Freixo de Numão”, de Março de 1999, numa crónica intitulada “Passado e Presente”, ainda recordava o CAMINHEIRO escrevendo: “Era um sonho, queria ser realidade e, ao sair, um ano depois, deixei-o com saúde e força para caminhar, mas tornou-se impossível a sua continuidade até agora. Foi pena e guardo com amor e carinho os números que publiquei e fui recebendo em terras de França”. E referindo-se aos primeiros 11 anos da sua actividade pastoral, escreveu: “Recordo essas terras e essas gentes com saudades e é com amizade que por aí passo ou aí vou, poucas vezes é certo”... A Obra que realizou é suficientemente significativa para que possa ser considerado um dos quatro grandes beneméritos das Mós do século XX. E nesta conformidade, digno de um acto público demonstrativo do agradecimento e da admiração de todos os mosenses. De que forma? Na segunda metade dos anos setenta, quem tomou a iniciativa de homenagear os dois mais antigos benfeitores do século XX foi o saudoso amigo Dr. Castelinho, formando duas comissões (a que tive o gosto de pertencer) para o ajudarem a angariar fundos e a mobilizar presenças, para que as respectivas cerimónias tivessem um cariz verdadeiramente público e participado. Assim, com a presença de muita gente, em Setembro de 1976, foi homenageado o benemérito professor José António Saraiva por, ao longo duma carreira de 48 anos (!), ter desenvolvido profícuas acções pedagógicas junto de sucessivas gerações de mosenses; a sua venerável memória ficou perpetuada numa placa epigráfica afixada no frontispício da Escola Velha. Em 17 de Setembro de 1978, foi homenageado o grande Benfeitor António Augusto de Oliveira Mendes, ficando a sua memória consagrada na placa epigráfica que foi afixada na parte superior do fontanário público (ou “Cano”), uma das grandes obras com que ele decisivamente beneficiou a povoação das Mós e a sua gente. O benemérito e saudoso amigo Dr. Castelinho faleceu, e também ele só viria a ser homenageado a título póstumo. Numa altura em que eu havia suspendido a minha eventual colaboração na nossa imprensa regional, foi o director do “Notícias de Freixo de Numão”, Senhor Dr. Sá Coixão, o primeiro a lembrar aos mosenses a obrigação moral de homenagear a memória deste benemérito. E a Junta de Freguesia de então, em boa hora, resolveu consagrá-la com a atribuição do seu nome à rua e do largo onde, creio eu, ele teria nascido e passado os primeiros anos da sua tão prestimosa vida. Agora põe-se a questão: como louvar e agradecer a Monsenhor Armando dos Santos Ribeiro ? Todos reconhecemos que a Obra do Padre Armando nas Mós é digna da maior admiração e reconhecimento. Estou certo que os nossos autarcas e outros homens bons das Mós encontrarão a melhor maneira de homenagear dignamente o seu autor. José Gomes Quadrado

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