14 junho 2010

"Serão no Douro" - (Mário Anacleto)

Noite alta. Fecharam-se as portas aos vizinhos no lagar.
Os fenois e metanois convidavam a um sono prematuro;
na torre da Igreja já se ouvira badaladas de meia noite
dando a paz a quem dormisse, leve, no travesseiro duro.

Sentia-se aquele suave odor ao hálito sóbrio da lavoura
baixinhas, as estrelas animavam os insectos, ralos e grilos
no terreiro preguiçoso pendiam folhas de planta de jardim
e no aconchego do monte duas aves perdiam-se com trilos

Na soledade do templo velavam a Senhora e o seu Filho
das Dores trespassada ela e ele exausto, sempre em pé
repousando no sacro silêncio da mais fria transcendência
onde toda a alma comum busca abrigo com a força da fé

Tudo quanto era bicharada já dormia e o silêncio do largo
era interrompido pelo nosso bichanar de irónicas fantasias
e pela devassa presença dos felinos assapados ao relento
quem sabe, talvez, á espera de várias outras mordomias

Era nessas tardes que persistem para além do sol poente
que eu te folheava memórias desse volumoso livro aberto.
Era como tu, passando as páginas lentas da aridez da vida
Que nada havia mais forte que ler-te as rotas no deserto...

http://www.youtube.com/watch?v=_CjoCAemK6Y

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