23 dezembro 2009
O NATAL E AS JANEIRAS DE OUTRORA
1 – O NATAL NA CASA DA AVÓ E A “FOGUEIRA DOS CEPOS
No tempo em que eu vivia ou estanciava nas Mós (anos 40 e meados dos anos 50), o consumismo estava muito longe de chegar a Portugal, transformando por completo as festas tradicionais do Natal. Vivia-se um Natal simples: sem requintes, sem os sofisticados brinquedos e enfeitadas árvores, sem Pai Natal… Em suma: sem o fausto que muitos ostentam.
Vejamos um exemplo dum Natal passado na Casa da Avó.
Na véspera do dia 25, à hora da ceia, minha avó, comigo e mais dois netos, usufruindo do calor da lareira, reuníamo-nos à volta de um banco grande (que servia de mesa) e ali comíamos o bacalhau cozido com batatas e as saborosas pencas do nosso Lameirão, regado com o melhor dos azeites.
Finda a principal parte da ceia, a avó e a neta afadigavam-se a fazerem as filhós (bolas), as rabanadas o arroz doce ou a aletria. O neto mais velho ia retirando do “Canto da Lenha” as melhores achas especialmente guardados para aquela ocasião, colocava-as na fogueira e depois ia atiçando o lume, pois, como todos nós, estava ansioso por provar algumas daquelas guloseimas, especialmente reservadas para as refeições do dia de Natal.
Depois de acabarem de cozinhar, comiam-se algumas filhós e lavada a loiça, ficávamos todos sentados em redor do braseiro, ouvindo minha avó recitar loas ao Menino Jesus:
Enquanto dentro de cada casa da povoação os circunstantes procediam de modo mais ou menos idêntico ao acima referido, alguma rapaziada (crescida) ocupava-se em acender a “fogueira dos cepos” ou “Fogueira de Natal” no centro do Largo do Terreiro, fazendo arder troncos, pernadas e toda a ramagem duma qualquer árvore de grande porte (quase sempre uma oliveira pertencente a proprietários de Freixo), que previamente havia sido escolhida para o efeito. O derrube da escolhida árvore tinha lugar à noite e revestia-se de cuidados especiais. Puxavam por um dos carros de bois que os lavradores deixavam estacionados na rua para nele transportarem a árvore derrubada. Quando procediam a este transporte, “não eram permitidas portas abertas nem peões nas ruas por onde a chusma passava; aquelas eram trancadas por fora com os cravelhos, era perigoso tentar reconhecer alguém que pertencesse ao grupo pois corria o risco de ser apedrejado. (*)
As Janeiras cantavam-se em quase todas as noites da primeira semana do ano. Num tempo em que não era usual o envio de postais ilustrado de “boas festas”, nalguns casos o cantar das Janeiras destinavam-se a saudar as famílias, de porta em porta, desejando-lhes um bom ano novo. Mas na maioria dos casos os versos eram cantados com palavras lisonjeiras ou laudativas, transformando-as em saudações de certa forma interesseiras, como por exemplo:
Viva o dono desta casa,
Se depois de lisonjeados, os da casa não davam uma resposta positiva aos pedidos formulados, eram-lhes dedicados os seguintes versos:
Nas Mós as Janeiras, tradicionalmente, começavam com o seguinte verso: Quem diremos nós que viva? Vejamos alguns exemplos:
Talvez nos anos 30 do século passado, alguns janotas (já radicados no Porto) quiseram alterar a maneira tradicional de cantar as Janeiras nas Mós (idêntica às das terras vizinhas) e introduziram as seguintes quadras:
De vinho dai-nos um pouco,
Para se demonstrar o desajustamento destas quadras, bastará recordar que alguns dos produtos nelas referidos não faziam parte da normal alimentação dos mosenses, ao contrário dos referidos nas quadras tradicionais. Mas isto não invalida um facto: também elas ficaram registadas na memória colectiva.
Meia-noite já é dada,
Vinde todos, adoremos;
Vinde ver o Deus Menino,
Vinde todos e louvemos.
Esta noite sendo santa,
“Inda”assim mesmo tão fria;
Vamos todos a Belém
Ver o Menino e Maria.
Ó meu Menino Jesus!
Ó meu Menino tão belo!
Por que vieste a nascer
Em noite de caramelo?
Não quis nascer em palácio.
Em rica e dourada cama!
Foi nascer lá em Belém
Na pobrezinha choupana!
Vinde todos, adoremos;
Vinde ver o Deus Menino,
Vinde todos e louvemos.
Esta noite sendo santa,
“Inda”assim mesmo tão fria;
Vamos todos a Belém
Ver o Menino e Maria.
Ó meu Menino Jesus!
Ó meu Menino tão belo!
Por que vieste a nascer
Em noite de caramelo?
Não quis nascer em palácio.
Em rica e dourada cama!
Foi nascer lá em Belém
Na pobrezinha choupana!
Enquanto dentro de cada casa da povoação os circunstantes procediam de modo mais ou menos idêntico ao acima referido, alguma rapaziada (crescida) ocupava-se em acender a “fogueira dos cepos” ou “Fogueira de Natal” no centro do Largo do Terreiro, fazendo arder troncos, pernadas e toda a ramagem duma qualquer árvore de grande porte (quase sempre uma oliveira pertencente a proprietários de Freixo), que previamente havia sido escolhida para o efeito. O derrube da escolhida árvore tinha lugar à noite e revestia-se de cuidados especiais. Puxavam por um dos carros de bois que os lavradores deixavam estacionados na rua para nele transportarem a árvore derrubada. Quando procediam a este transporte, “não eram permitidas portas abertas nem peões nas ruas por onde a chusma passava; aquelas eram trancadas por fora com os cravelhos, era perigoso tentar reconhecer alguém que pertencesse ao grupo pois corria o risco de ser apedrejado. (*)
Na noite de Natal e principalmente na manhã seguinte, quase toda a gente de povoação se aproximava da grandiosa fogueira dos cepos, para se aquecerem junto das suas grandiosas e crepitantes labaredas.
Não me lembro de haver nas Mós “Missa do Galo” à meia-noite do dia 24, mas sei que durante a manhã do Dia de Natal havia missa cantada e lembro-me de ouvir cantar o sempre repetido cântico natalício, com o seguinte refrão:
Cristão, alegria,
Que nasceu Jesus,
A Virgem Maria
No Lo deu à luz
Jesus, Jesus,
Saudemos Jesus. (Bis)
2 - O CANTAR DAS JANEIRAS
As Janeiras cantavam-se em quase todas as noites da primeira semana do ano. Num tempo em que não era usual o envio de postais ilustrado de “boas festas”, nalguns casos o cantar das Janeiras destinavam-se a saudar as famílias, de porta em porta, desejando-lhes um bom ano novo. Mas na maioria dos casos os versos eram cantados com palavras lisonjeiras ou laudativas, transformando-as em saudações de certa forma interesseiras, como por exemplo:
Senhora Maria Augusta
Deixe o banco de cortiça,
Deite os olhos ao fumeiro.
Dê-nos cá uma chouriça.
Viva o dono desta casa,
Homem de grande saber;
Vem aí com o garrafão
Para nos dar de beber.
Se depois de lisonjeados, os da casa não davam uma resposta positiva aos pedidos formulados, eram-lhes dedicados os seguintes versos:
Cantamos e recantamos,
E voltamos a cantar.
Estes barbas de farelos,
Não têm nada que nos dar.
Ao Inferno vão parar...
Nas Mós as Janeiras, tradicionalmente, começavam com o seguinte verso: Quem diremos nós que viva? Vejamos alguns exemplos:
Quem diremos nós que viva?
Diga-o já quem souber!
Viva lá o senhor Belmiro
Bem como a sua mulher.
Quem diremos nós que viva?
Na casquinha da cebola;
Viva lá o senhor Abílio
E mais a sua senhora.
Quem diremos nós que viva?
Raminho da salsa crua;
Viva a menina Isolina
Que ilumina toda a rua.
Talvez nos anos 30 do século passado, alguns janotas (já radicados no Porto) quiseram alterar a maneira tradicional de cantar as Janeiras nas Mós (idêntica às das terras vizinhas) e introduziram as seguintes quadras:
Trigo e nozes e marmelada,
Lombo de porco, vitela assada,
Pão com manteiga, chá ou café
“P`ró” Deus Menino nascido é!
De vinho dai-nos um pouco,
Serve de qualquer maneira,
Daquele que veio do Porto
Ou da Ilha da Madeira.
Para se demonstrar o desajustamento destas quadras, bastará recordar que alguns dos produtos nelas referidos não faziam parte da normal alimentação dos mosenses, ao contrário dos referidos nas quadras tradicionais. Mas isto não invalida um facto: também elas ficaram registadas na memória colectiva.
(*) RECORDAÇÕES, José Carneiro, in Monografia Histórica de Mós do Douro, Joaquim A Castelinho, última edição, vide página 154.
José Gomes Quadrado
Comments:
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Obrigado ao Carlos Pedro e ao autor da fotografia que penso ser o Dr. José David. O único vivo na presente data. Ao ver esta fotografia um misto de emoção e nostalgia tomou conta de mim ao ver na mesma o meu pai, o Adriano Grifo.Como é bom recordar e pensar que vale a pena continuar a ter orgulho em ser MOSENSE.
Grato ao Sr. Carlos Pedro por tão bem cuidar detes cantinho das Mós.
Muito grato ao Sr. José Gomes Quadrado por me aflorar em palavras a memória de tão intensas e significantes recordações dos tempos em que passei e convivi muitos natais nas Mós, passados em família na casa da minha avó Maria, da Minha tia Ilda.
Grato ao autor da fotografia que registou a tradição e a saudosa e marcante figura daquele que foi para nós um grande amigo, o nosso querido padrinho Farrincha.
A todos os mosenses um Santo e Feliz Natal.
Muito grato ao Sr. José Gomes Quadrado por me aflorar em palavras a memória de tão intensas e significantes recordações dos tempos em que passei e convivi muitos natais nas Mós, passados em família na casa da minha avó Maria, da Minha tia Ilda.
Grato ao autor da fotografia que registou a tradição e a saudosa e marcante figura daquele que foi para nós um grande amigo, o nosso querido padrinho Farrincha.
A todos os mosenses um Santo e Feliz Natal.
Já há bastante tempo que não visitava este blog, e foi com bastante emoção que vi nesta foto o meu Pai e o meu Avô.
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